sexta-feira, 30 de julho de 2010

Deus? Que Deus?


Com estas palavras o humorista Chico Anysio intitulou uma postagem em seu blog na semana passada, onde questiona a morte do jovem Rafael Mascarenhas, filho da atriz Cissa Guimarães, atropolelado em um túnel do Rio de Janeiro na madrugada de terça-feira, dia 20 de julho de 2010.


Chico expressa seus sentimentos com as seguintes palavras: " Deus é onisciente? Então ele sabia que o Rafael teria que morrer naquele dia, naquela hora e daquele modo. Sendo assim, deixo a disposição de todos a minha parte de Deus, porque se ele tem tantos 'onis' e o mundo está como está, prefiro ficar sozinho"


Longe de desconsiderar a dor sofrida pela família enlutada (e não apenas desta família em particular, mas de tantas outras que sofrem dramas semelhantes diariamente em todo o mundo), me pus a pensar sobre o epísódio e ao comentário de Chico sobre a companhia de Deus. O humorista afirma que prefere ficar sozinho.


O Deus das Escrituras não prefere ficar sozinho. Decidiu amar ao ser humano, demonstrando constante disposição de permanecer ao seu lado. O Deus das Escrituras assumiu a forma humana apenas por pensar no homem e nos dilemas do contraditório mundo em que vivemos. O Deus das Escrituras foi até as últimas consequencias para estar junto de sua criatura, e entenda-se por últimas consequencias a sanguinária morte de cruz. Por não querer ver o ser humano entregue às garras da morte, o Deus das Escrituras decidiu enfrentar a própria morte apenas para demonstrar seu apreço por seres humanos como qualquer um de nós.


O universalmente conhecido Salmo 23 celebra a companhia de Deus. O salmista Davi tinha confiança para acreditar que o Senhor era o seu pastor tanto nas águas tranquilas (versículo 2), quanto no vale da sombra da morte (versículo 4), por saber que a misericórdia do Senhor o seguiria todos os dias da sua vida (versículo 6). Para Davi a tragédia não era o momento em que Deus estava ausente, mas o momento onde sua mão e seu cajado o consolariam.

Por amar o ser humano, o Deus das Escrituras lhe concedeu plena liberdade para viver como bem entendesse. Alguns preferem respeitar a seu próximo e zelar pelo bem dos que o cercam, enquanto outros preferem dirigir seu carro (e sua vida) inadvertidamente, ceifando a vida de outros enquanto se auto-destroem. A escolha humana que origina o caos no mundo, no entanto, não anula o amor do Deus que escolheu estar na companhia de seres humanos.


Eu prefiro a companhia de Deus.


terça-feira, 29 de junho de 2010

Bonita, mas vazia!





Uma expressão usada por Jesus me chamou bastante atenção. Para falar da incredulidade dos fariseus, o Mestre propõe uma parábola: quando um espírito maligno deixa um homem, anda por lugares áridos, buscando refúgio e não o encontra. Então decide voltar para a casa de onde havia saído e a encontra varrida e adornada. Em seguida, traz sete espíritos piores do que ele para ali habitarem também. A conclusão de Cristo é clara: o último estado deste homem é pior que o primeiro.

Jesus acabara de libertar um homem de um demônio que o deixava cego e mudo. Os fariseus presentes na ocasião insinuaram que a autoridade de Cristo em libertar o homem não era divina, mas provinha de Belzebu, o príncipe dos demônios. A pequena ilustração foi um dos comentários de Cristo diante do acontecido, uma clara crítica à reação dos fariseus, que naquele momento representavam a religião oficial de Israel, diante da libertação do endemoniado. A casa citada por Jesus é uma referência àqueles lideres religiosos. Mas o que Cristo quis dizer em compará-los a uma casa varrida e adornada?

Não parece ser uma crítica dizer que alguém está com seu interior varrido e bem arrumado.

A crítica está em outra característica da casa: apesar de arrumada, ela se encontra desocupada. Jesus sempre fez questão de mostrar que os fariseus possuíam todas as ferramentas necessárias para compreender que Ele era o Cristo. Por diversas vezes atentou para o fato de que as Escrituras apontavam para si próprio e sua missão.

No entanto, a maioria dos fariseus e saduceus jamais foram capazes de discernir esta verdade no Livro da Lei e nos Profetas que tanto veneravam e defendiam. Mesmo se sentando na cadeira de Moisés e declarando-se filhos de Abraão, não conseguiram enxergar o Profeta apontado por Moisés e alvo da fé de Abraão. O pecado dos fariseus não estava em sua falta de conhecimento da Lei, eles a conheciam bem: discutiam constantemente os 613 mandamentos da Torá, argumentavam sobre as diferentes escolas rabínicas e suas interpretações das minúcias da Lei, a história de Israel era matéria básica para eles. Definitivamente, seu problema não era de acesso às Escrituras. O seu problema também não era com a falta de zelo para com esta Lei, pois procuravam mostrar a todos o quanto estavam dispostos a cumpri-la até mesmo em seus mais rudimentares detalhes. Em certa ocasião Jesus aconselhou seus ouvintes a estarem atentos aos ensinos dos fariseus, embora não devessem copiar seu comportamento.

Os fariseus criam que sua casa estava em ordem. Por serem respeitados como intérpretes da Lei, acreditavam que seu interior estava bem varrido e adornado, já que oravam, jejuavam e procuravam praticar a justiça aos olhos de todos.

Mas do que adianta adornar uma casa que está vazia? De nada adianta enfeitar uma sala onde ninguém se assentará ou preparar uma cama onde ninguém dormirá. O cuidado com uma casa é justificado em função de quem nela habita ou de quem a visitará, uma casa abandonada não precisa ser arrumada se for continuar abandonada.
Esta era a espiritualidade dos fariseus: a rejeição do verdadeiro Deus manifestado através de Cristo tornava sem sentido as orações, jejuns, esmolas e todas as outras práticas efusivamente proclamadas por eles. A casa estava adornada e varrida pelo conhecimento da Lei e adornada pela pratica piedosa, mas estava desocupada. O Deus que deveria ser agradado pelo asseio doméstico do coração estava ausente e seu lugar estava vago.

O problema maior vem depois: a casa vazia é um convite para que um indesejável morador a ocupe e traga consigo sete piores do que este. Jesus procurou mostrar que, mesmo sendo religiosos respeitados, a atitude dos fariseus em rejeitá-lo abria espaço em seus corações para uma série de sentimentos malignos que os transformariam em pecadores piores que aqueles que tanto criticavam.
Jesus pregava para “publicanos, e pecadores” e recebia duras críticas por isto. Estes eram personagens com a casa desordenada e suja. Porém, demonstraram o desejo de limpá-la, organizá-la e habitá-la. Neste sentido é que entendemos porque meretrizes e pecadores precederiam mestres da Lei no reino dos céus. O convite de Jesus: “deixe-me pousar em sua casa”, era atendido por publicanos como Zaqueu, enquanto fariseus limpavam uma morada vazia.